Por Jonas Badermann de Lemos e Bianca Breyer Cardoso
O desafio de projetar um hospital, edifício complexo que abriga uma variedade de funções e pode ser considerado o espaço mais dinâmico da sociedade contemporânea, se amplifica na medida em que este hospital abriga também a dimensão educacional, convertendo-se em hospital escola. O presente artigo toma o projeto do Hospital Escola da Universidade Federal de Lavras, desenvolvido pelo Arquiteto Jonas Badermann de Lemos e a equipe do escritório de arquitetura hospitalar Badermann Arquitetos Associados, como estudo de caso para ilustrar a complexidade inerente, elencando as diretrizes e estratégias projetuais, os desafios do processo de projeto, revelando as soluções arquitetônicas adotadas para garantir que promova a saúde e a educação.
Naturalmente, um hospital conjuga em um único edifício hotel, laboratório, lavanderia, farmácia e, até mesmo, restaurante. Um hospital de ensino inclui nesta lista a escola. Sendo assim, além da assistência à saúde e da diversidade de profissionais envolvidos em sua promoção, de médicos, enfermeiros, administradores, fornecedores, farmacêuticos, auxiliares gerais aos técnicos de manutenção, tem sua dinâmica pautada pela presença dos estudantes e por todos os requisitos para assegurar-lhes uma formação altamente qualificada pela dimensão prática. Em paralelo à toda complexidade de tratamentos e de pacientes, cada qual com sua patologia específica, que se dirigem aos ao hospital em busca de saúde, seja para mantê-la ou recuperá-la, soma-se a dinâmica de professores e alunos, das mais variadas etapas da formação. Logo, além de lidar com os tradicionais temas críticos humanos, de doença, morte, nascimento, medos e crenças, há que lidar com a insegurança dos jovens iniciando uma carreira, o que intensifica os aspectos psicológicos e subjetivos que envolvem as emoções e relações humanas que tomam lugar no edifício.
A dimensão tecnológica, já inerente à dinâmica hospitalar e cuja evolução está cada vez mais acelerada, também ganha contornos mais significativos no hospital escola, na medida em que este se converte como polo de referência em inovação. Os hospitais escola são núcleos de promoção da pesquisa científica, que inauguram, via de regra, novas formas de diagnóstico e terapia, com técnicas precursoras e equipamentos sempre atualizados, o que impõe ainda mais a necessidade de flexibilidade e modernização das instalações físicas. O processo de mudança e atualização tecnológica demanda também cada vez mais espaço dentro do hospital. Sendo assim, o hospital escola, que naturalmente deve garantir áreas assistenciais mais generosas para abrigar equipes mais numerosas, compostas por professores e alunos, deve ainda prever espaço para as tecnologias futuras e a pesquisa científica.
O projeto do Hospital Escola deve permitir, ainda, que o prédio possa ser progressivamente ajustado às estratégias da instituição, à facilidade dos processos assistenciais, aos custos operacionais, às facilidades de manutenção, ao consumo de água e à eficiência energética, através das soluções de sustentabilidade. Tais soluções, sob o enfoque do Evidence Based Design, possuem impacto altamente positivo também em pacientes e funcionários, graças ao emprego de elementos como a ventilação natural, a incidência de luz natural nos espaços interiores, as vistas às áreas externas e as distrações positivas, entendidas como ações que provocam sensações positivas e desviam a atenção dos aspectos físico-emocionais por meio de arte, música, teatro, convívio social, etc. Assim, a arquitetura ganha outro enfoque e participa decisivamente do processo de recuperação dos pacientes e da promoção do bem-estar dos funcionários e estudantes.
O Hospital Escola converte-se, então, em um centro de alta tecnologia, capaz de manter as pessoas saudáveis, por meio de exames diagnósticos e tratamentos de prevenção, além de assistir pacientes em estado crítico que necessitam das mais avançadas tecnologias para sobreviver, oferecendo, por fim, formação de excelência a diversos profissionais da área da saúde. Ao mesmo tempo, o Hospital Escola se integra à rede de saúde local e se estrutura como centro de referência norteado pela qualidade total.
O projeto do Hospital Escola de Lavras considerou todas essas variáveis, a começar pelo entendimento de sua missão, que é a síntese operativa de sua natureza e seus valores centrais. A Universidade Federal de Lavras (UFLA), atenta ao processo contínuo de mudanças que ocorrem na sociedade e consciente do seu papel institucional na formação do cidadão integrou-se ao Programa Mais Médicos para o Brasil e criou o Curso de Medicina, o qual foi iniciado no primeiro semestre de 2015. O curso de medicina da UFLA visa formar um profissional capaz de promover a saúde individual e coletiva, por meio de ações de prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, utilizando métodos diagnósticos e terapêuticos pautados na medicina baseada em evidências. Práticas vivenciais obrigatórias permeiam todo o curso, com graus crescentes de complexidade, a fim de desenvolver a autonomia e o senso crítico-reflexivo do estudante, bem como as habilidades humanas e técnico-científicas necessárias para o futuro exercício profissional em nível de excelência (UFLA).
Logo, o conceito geral do projeto se traduz pela criação de uma construção inovadora, que possa ser referência para os demais hospitais universitários do país no que se refere à qualidade dos serviços, ao compromisso com a sustentabilidade e ao ambiente humanizado. Localizado no interior do Brasil, em um município com clima tropical de altitude e 100.000 habitantes, o projeto do Hospital de Lavras ocupa uma área de intervenção de oito hectares. Distante sete quilômetros do centro urbano consolidado e do campus da Universidade, o entorno apresenta baixíssima ocupação e visuais naturais privilegiadas.
O projeto arquitetônico do Hospital Escola corresponde a um Hospital Geral de Alta Complexidade de Ensino cujo programa e zoneamento foi proposto no seu Plano Diretor. Desenvolve-se apresentando uma setorização sistêmica com os serviços assistenciais para pacientes ambulatoriais locados em áreas que possibilitam seus acessos facilmente. Para o Hospital estão previstos 148 leitos, sendo 50 leitos de UTI, somando uma área de 28.800,00m².
O principal desafio foi contemplar a alta complexidade com o perfeito gerenciamento do fluxo, segurança, higiene, operação e assistência, a fim de desenvolver um partido arquitetônico em que as diversas unidades, os fluxos intersetoriais e intrassetoriais fossem adequadamente posicionados, em que os pacientes pudessem usufruir da paisagem do entorno e, além disso, que correspondesse a conceitos de eficiência energética. Assim, o hospital foi zoneado em três áreas distintas: uma pública, outra técnica/assistencial e outra de serviços de apoio. Os pacientes externos, acompanhantes e visitantes acessam pela área pública em direção à técnica/assistencial e os profissionais, como também o abastecimento, pela circulação de serviços de apoio. Dessa maneira, organizaram-se os fluxos e foram evitados cruzamentos, muitas vezes, indesejáveis numa organização de saúde.
Volumetricamente, o partido se organiza em quatro blocos, três dos quais compõem a base, intercalados por núcleos de circulação vertical e separados do quarto bloco que compõem o corpo pelo pilotis situado no terceiro pavimento. O bloco A, com dois pavimentos, abriga a portaria no térreo e o setor administrativo logo acima. O bloco B abriga a estrutura de apoio diagnóstico e terapia, com centro cirúrgico, endoscopia, imagenologia e posto de coleta no térreo e UTI´s no segundo pavimento com 20 leitos adultos, 5 neonatal e 5 de pediatria, além do centro de parto normal, centro obstétrico e central de materiais esterilizados. já o bloco c possui três pavimentos e abriga o atendimento imediato, com acesso independente, e as atividades de apoio técnico e logístico (lavanderia, almoxarifado, necrotério e manutenção no térreo; patologia clínica, rouparia/hotelaria, O.P.M.E., farmácia no segundo e vestiários centrais de funcionários, serviço de nutrição e dietética, conforto funcionários, engenharia clínica predial), ainda no terceiro, junto à área externa do terraço jardim encontra-se a cafeteria. O bloco D compõe o corpo descolado da base, que abriga as unidades de internação do 4º ao 6º pavimento, totalizando 100 leitos, subdivididos em clínica cirúrgica, clínica geral e pediatria. Além disso, o projeto prevê a flexibilidade do edifício bem como a possibilidade de expansão através da criação de mais três blocos: bloco E de ampliação dos serviços de apoio ao diagnóstico e à terapia; bloco F para centro de oncologia, com serviços de quimio e radioterapia; e finalmente o BLOCO G, de expansão da internação que replica o corpo D, interligando-o através de passarelas e duplicando a capacidade de leitos. O pavimento tipo de internação foi pensado com circulação simplesmente carregada e núcleo de apoio central aos quartos semiprivativos com sacada e banheiro próprios.
Para criar uma ambiência adequada à humanização, o projeto adota o conceito de espaços terapêuticos, que promovem a identificação dos usuários com o ambiente que os circunda. Dessa forma, explora as qualidades da paisagem natural para alcançar o bem-estar dos usuários, ao ocupar um platô elevado em relação à via de acesso, fugindo da planta tradicional dos hospitais rodeados por espaços construídos, garantindo visuais privilegiadas às áreas assistenciais. Além disso, valoriza a área verde do entorno através de um tratamento paisagístico baseado no conceito jardins terapêuticos.
Os jardins terapêuticos são uma eficiente ferramenta que reduz o estresse e a depressão, humanizando ambientes culturalmente associados à frieza, esterilidade e até à hostilidade em relação ao paciente. No Hospital de Lavras, o terraço jardim está situado no mesmo nível da cafeteria e da área de conforto de funcionários, criando um espaço de permanência e repouso aos acompanhantes, equipes de saúde e estudantes. Além disso, oportunizam a deambulação de pacientes em condições mais amenas e, por estarem situados no pilotis do terceiro pavimento entre a base mais pública e o corpo com áreas de internação, garantem também a contemplação a partir do interior do edifício mesmo aos pacientes que não se encontrem em condições de ir até lá. Logo, seu efeito terapêutico se dá também na medida em que atrai a atenção involuntária, auxiliando, portanto, na recuperação da fadiga mental.
Considerando que a combinação equilibrada entre terapias farmacológicas, comportamentais e ambientais é eficaz para a melhoria integral da saúde, o terraço jardim explora também o conceito do jardim dos sentidos, no qual são incluídas plantas aromáticas, medicinais e ornamentais, que promovem estímulo visual, tátil e olfativo. A água corrente dos espelhos d´água cria sons relaxantes e oferece estímulo também à audição. A contemplação e o envolvimento em cenas agradáveis liberam endorfina e promove bem-estar físico e mental a todos os usuários, culminando em redução no tempo de internação dos pacientes. Além disso, o terraço jardim melhora a relação entre médicos, estudantes, pacientes e familiares, ao promover um espaço de interação, reduzindo o estresse de todos e favorecendo o contato social, o diálogo e, consequentemente, a assistência à saúde.
Além de valorizar visuais e jardins terapêuticos, a criação de espaços terapêuticos coloca o usuário no centro das atenções, seja ele paciente, funcionário ou estudante, adotando também como premissas: o acesso a referências cotidianas; a psicologia das cores; a sinalização e legibilidade de orientação e a ambientação de acordo com aspectos culturais do usuário. Ademais, os espaços terapêuticos devem contemplar conforto acústico e controle de ruídos; conforto térmico; conforto lumínico; e privacidade e controle visual. Estas premissas se alinham ao conceito de sustentabilidade ambiental, entendida também em sua dimensão humana, que foi um dos norteadores para valorizar a natureza do Hospital de Lavras como referência em inovação. Logo, além de soluções “verdes”, o Hospital escola foi pensado para ser um edifício saudável, com design flexível, cujo projeto adota estratégias de aumento da eficiência energética, que permitem a redução de gastos, preservam os recursos naturais e asseguram conforto humano e bem-estar aos usuários.
A eficiência energética foi contemplada no projeto com o máximo aproveitamento da luz solar e a criação de um sistema de ventilação seguro e eficiente. Foram criados pátios internos nos diversos volumes, que garantem a entrada de luz natural e reduzem o consumo de energia. A iluminação zenital também foi utilizada como estratégia para captação da luz natural, especialmente nas UTI´s, pois além de reduzir o consumo de energia, oportuniza que os pacientes mantenham consciência quanto à passagem do tempo pela variação de iluminância do amanhecer ao anoitecer.
O sistema de ventilação foi contemplado não apenas através dos pátios internos, mas principalmente pela criação de dutos para renovação do ar com ventilação eólica, que captam o ar frio que passa pelo pilotis e o conduz verticalmente em movimento ascendente. a adoção de janelas do tipo basculante sobre as portas dos quartos internação, faz com que o ar circule a partir das sacadas, passando pelo interior do quarto, até chegar ao duto de ventilação através da circulação.
Outra estratégia para uso eficiente da energia foi a criação de coberturas verdes que reduzem a carga térmica, reduzindo para cerca de 40% a absorção de calor e, consequentemente, diminuindo a necessidade de climatização artificial. Além disso, as coberturas verdes favorecem a drenagem, ao favorecerem o escoamento gradual das águas da chuva, e ainda atuam no sistema de jardins terapêuticos anteriormente mencionado, ao qualificarem as visuais desde os quartos das unidades de internação. por fim, foram previstos painéis fotovoltáicos para captação energia solar como estratégia de redução de energia elétrica, cujo consumo é muito elevado num hospital deste porte.
O conforto térmico e lumínico também foi contemplado pela adoção dos brises de proteção solar e recuos avarandados na fachada norte, e pela fenestração mais pontual nas fachadas leste e oeste, de mais difícil controle de incidência dada a localização do terreno.
Do ponto de vista da eficiência do uso da água, foi prevista a captação de água pluvial para reuso através da criação de áreas de captação na cobertura. considerando a regra de que para 25 mm de chuva em telhado de 200 m², capta-se 4.700 l, temos no projeto a possibilidade de captar mais de 170 mil litros, dados os cerca de 7300m² de superfície de cobertura no Hospital de Lavras. A água proveniente do reuso pode ser utiliza na irrigação dos jardins terapêuticos, na lavagem das áreas externas e também na lavagem dos veículos do Hospital Escola. A adoção de pisos drenantes, por sua vez, redução o impacto ambiental ao garantir melhor drenagem ao terreno e evitar a criação das ilhas de calor ao garantir a permeabilidade do solo.
Em suma, o projeto do Hospital Escola de Lavras foi pautado por uma arquitetura sobretudo humana, capaz de abarcar toda complexidade programática, respeitando parâmetros normativos rigorosos, expectativas técnicas e funcionais, planejamento criterioso das instalações e da infraestrutura de apoio, sem perder de vista o foco no usuário, em sua dimensão sensorial, emocional e comportamental. Dessa forma, o resultado se alinha aos conceitos mais contemporâneos em saúde, considerando que todas as estratégias arquitetônicas visam contribuir, efetivamente, na melhoria dos pacientes, no aumento da produtividade dos funcionários e na qualificação dos estudantes, criando espaços terapêuticos, desenhados para as pessoas, tecnicamente adequados para promover não apenas a cura, mas a saúde em um sentido amplo.
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